sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Da ausência e de sua compreensão


Neste dia de finados, cumpre falar sobre a ausência, pois sempre haverá ausente alguém a quem muito se ama.

A ausência depende da forma como é encarada, como é sentida, enfim, depende do ponto de vista de cada um.

Existem dois belos exemplos de “ausência” na literatura brasileira, os poemas de Vinícius de Moraes e de Carlos Drummond de Andrade, transcritos a seguir:

AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade

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Ausência
Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres
eternamente exausto
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque
em meu ser está tudo terminado.
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne
como uma nódoa do passado.
Eu deixarei ... tu irás e encostarás
a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei a minha face
na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só
como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém
porque poderei partir
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.
Vinícius de Moraes
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Assim, percebe-se algo denso, sinistro até, no poema de Vinícius. Já o poema de Drummond passa uma sensação de transcendência, de leveza.

Desta maneira, pode-se ver que o mundo se apresenta conforme o nível de sintonia de cada pessoa: se se pensa o mal, acontece o mal; se se pensa o bem, acontece o bem. O livre arbítrio de cada um vai direcionar seu pensamento e sentimento e destino.

A ausência, então, será a saudade boa ou a falta irreparável.

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